A saúde ameaçada pelos agrotóxicos
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A saúde ameaçada pelos agrotóxicos


Estudos recentes alertam para os riscos do consumo de alimentos contaminados

Fazer um prato colorido, cheio de frutas, legumes e verduras, já não é mais sinônimo de alimentação saudável. Em função do uso intensivo e crescente de agrotóxicos, o consumo de certos produtos pode representar, em vez de benefícios, a gênese de doenças em longo prazo.

Duas recentes publicações, lançadas no final de abril, apontam os riscos dos agrotóxicos. A Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco) divulgou, durante o Congresso Mundial de Alimentação e Nutrição em Saúde Pública (WNRio 2012), a primeira parte do dossiê Um alerta sobre os impactos dos Agrotóxicos na Saúde.

No documento, são listados mais de cem agrotóxicos que podem causar uma série de enfermidades como câncer, má formação congênita, alergias respiratórias, diabetes, distúrbios de tireoide, depressão, aborto e até Mal de Parkinson.

Segundo dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), um terço dos alimentos consumidos cotidianamente pelos brasileiros está contaminado por agrotóxicos. O pimentão lidera a lista – quase 92% das amostras analisadas apresentaram contaminação. Em seguida, aparecem o morango (63,4%), pepino (57,4%), alface (54,2%) e cenoura (49,6%).

“Não precisa de mais evidências científicas para se tomar decisões políticas para proteger a saúde da população e do ambiente”, diz o chefe do Departamento de Saúde Coletiva da UnB e do Grupo de Trabalho de Saúde e Ambiente da Abrasco, Fernando Ferreira Carneiro.

Em 2008, o Brasil ultrapassou os Estados Unidos e assumiu o posto de maior mercado mundial de agrotóxicos, utilizando 19% desses produtos produzidos no mundo.

O relatório da Abrasco também destaca o papel dos transgênicos no aumento do consumo de agrotóxicos. Só o glifosato, utilizado na cultura da soja transgênica, representa 40% do mercado nacional.

“A Monsanto alegava que uso dos transgênicos iria resultar na diminuição do uso de agrotóxicos, e o que a gente está vendo é o contrário.”, pontua Carneiro.

Precaução

Já a associação entre câncer e agrotóxicos foi um dos alertas trazidos pelo relatório Diretrizes para a Vigilância do Câncer Relacionado ao Trabalho, lançado pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca). Segundo a publicação, dentre os principais grupos de agentes cancerígenos relacionados ao trabalho aparecem os agrotóxicos. Dentre as enfermidades observadas em pessoas expostas a essas substâncias estão os linfomas, leucemias e cânceres de intestino, ovários, pâncreas, rins, estômago e testículos.

De acordo com a coordenadora da Área de Câncer Ocupacional do Inca, Ubirani Otero, ainda faltam estudos e testes para confirmar que tais doenças podem ser causadas pelo uso dos agrotóxicos. Entretanto, para ela, as evidências já são suficientes para que medidas mais fortes sejam tomadas.

“A gente deve adotar no Brasil, como em outras partes do mundo, o princípio da precaução. Se existe uma forte suspeita de que algum agente pode causar câncer, a gente deve evitar essa exposição”, diz.

A Anvisa informa que, em 2011, foram registrados mais de oito mil casos de intoxicação por agrotóxicos no Brasil.

Revisão

Desde 2008, 14 tipos de agrotóxicos estão em processo de revisão pela Anvisa. Cinco já foram reprovados e não poderão mais ser utilizados. Entretanto, só o Acetato, Cihexatina e Tricloform estão proibidos. Os inseticidas Metamidofós e Endossulfam serão banidos apenas em junho de 2012 e julho de 2013, respectivamente.

O médico e pesquisador do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) Wanderlei Pignati reclama da demora em banir essas substâncias. Ele cita o caso do Endossulfam, associado a problemas reprodutivos e hormonais.

“O Endossulfam vai ser proibido no Brasil em julho 2013 para desovar o estoque que tem aí. É um absurdo. O Endossulfam tem seus efeitos descritos no Diário Oficial, porque não proíbe de imediato?”, questiona.

A pressão das empresas que comercializam agrotóxicos e dos setores ruralistas é um dos principais entraves no trabalho da Anvisa, como explica o gerente- geral de Toxicologia do órgão, Luis Claudio Meirelles. “A reavaliação já enfrentou vários debates e inúmeras ações na Justiça. Inclusive quando a gente decide pelo banimento do produto tentam derrubar nossa decisão”, argumenta.

O gerente da Anvisa admite ainda que falta estrutura para fazer um trabalho mais consistente. Em termos de comparação, ele lembra que a Anvisa possui apenas 5% do total de agentes do órgão estadunidense de vigilância sanitária. Com isso, a fiscalização no campo acaba sendo prejudicada. “Poucos estados têm um efetivo que possa atuar, em nível estadual, para fiscalizar se os produtos estão sendo usados conforme autorizados para proteger a população, os trabalhadores e o entorno”, explica.

Desrespeito à lei

Além do prolongamento do uso de substâncias banidas e da falta de fiscalização, outro problema é o desrespeito à legislação que dita as regras para a utilização dos agrotóxicos. Um exemplo é a Instrução Normativa do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), de 2008, que proíbe a pulverização aérea a 500 metros de córregos, nascentes de água, criação coletiva de animais e residências. As proibições, porém, ficam só no papel, e a principal consequência é a contaminação do ar.

“Quem mora ao lado de uma grande plantação ou de uma horta que usa muito agrotóxico está respirando aquele tipo de agrotóxico”, pontua Wanderlei Pignati.

Foi o que ocorreu em Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso. Em 2006, um avião monomotor despejou, de forma irregular, um herbicida dessecante para apressar a colheita da soja. A substancia foi lançada sobre áreas residenciais da cidade, e o resultado foi a destruição de canteiros de plantas medicinais, hortaliças e um surto de intoxicações. Até hoje, ninguém foi responsabilizado pela ação.

O município mato-grossense é um dos maiores produtores de grãos do Estado. Em 2010, foram produzidos cerca de 420 mil hectares entre soja, milho e algodão, com a utilização de 5,1 milhões de litros de agrotóxicos nessas lavouras.

E os agrotóxicos continuam gerando impactos contra a população e o meio ambiente em Lucas do Rio Verde. Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) revelou que o leite materno de mulheres da cidade está contaminado. Segundo o estudo, foi encontrado pelo menos um tipo de agrotóxico em todas as amostras coletadas. Em algumas amostras havia até seis produtos diferentes.

“Isso mostra que a contaminação está disseminada. E ainda são poucos estudos. Se esses poucos estudos estão indicando isso, pode ser o que a gente chama de a ponta de um iceberg”, adverte Carneiro.

O mito do uso seguro

Os especialistas alertam para os diversos males causados pelos agrotóxicos, mas chamam atenção, sobretudo, para as intoxicações a longo prazo. Os efeitos dos agrotóxicos, explica a médica sanitarista e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz Lia Giraldo, dividem-se basicamente em intoxicações agudas e crônicas. As primeiras ocorrem quando a pessoa, ao ser diretamente exposta a produtos químicos, apresenta sintomas mais imediatos como tontura, náusea, dor de barriga e diarreia.

Já a intoxicação crônica se dá quando a pessoa é exposta a doses pequenas, porém cotidianas, tanto no manuseio como no consumo de alimentos contaminados. De acordo com Lia, é essa exposição gradual a responsável pelos problemas mais sérios.

“Para efeitos agudos a gente pode até ter uma dose de segurança, mas a exposição a baixas concentrações e a múltiplos agrotóxicos vai trazer, em longo prazo, câncer, doenças endócrinas e do sistema nervoso”, explica.

Lia enfatiza que as intoxicações agudas até podem ser evitadas pelo uso correto de equipamentos de segurança por parte de quem lida com os agrotóxicos. Nesse sentido, garante, não se pode falar em uso seguro de agrotóxicos. “Enquanto as pessoas acreditarem em uso seguro de agrotóxicos, podem prevenir uma intoxicação aguda, mas não podem se prevenir da intoxicação crônica”, destaca.

Cuidados

Para se proteger, os especialistas recomendam à população procurar feiras agroecológicas ou mesmo fazer pequenas hortas caseiras para consumir itens sem agrotóxicos.

“Se lavar o produto, só limpa de contaminação orgânica, não tira o agrotóxico. Descascar também não, porque ele entra pela raiz, está dentro [do alimento]”, alerta Lia.

Além disso, para Carneiro, a população precisa se organizar em todos os níveis para lutar contra o uso de agrotóxicos e construir alternativas.

“Tem que lutar contra esse modelo, aderir à Campanha Nacional contra os Agrotóxicos, criar seu comitê local na comunidade, isso é fundamental. É nessa perspectiva que a gente tem chances de mudar as coisas”, assegura.

Gílson Sampaio



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