Império do Caos prepara-se para mais fogos de artifício em 2016
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Império do Caos prepara-se para mais fogos de artifício em 2016


A F18 Super Hornet © Mark Wilson
24/12/2015, Pepe Escobar, RT

Traduzido por Vila Vudu

Em seu seminal ‘Fall of Rome: And the End of Civilization,’ Bryan Ward-Perkins[1] escreve: “os romanos antes da queda viviam tão certos de que o mundo deles duraria para sempre, como nós hoje… Estavam errados. Bem faremos se não repetirmos a complacência deles.”

O Império do Caos, hoje, nada tem a ver com complacência. É tudo húbris – e medo. Desde o início da Guerra Fria, a questão crucial tem sido quem controlaria as grandes redes comerciais da Eurásia – a “Terra Central” (orig. “heartland“), segundo Sir Halford John Mackinder (1861-1947), pai da geopolítica.

Pode-se dizer que, para o Império do Caos, o jogo realmente começou com o golpe patrocinado pela CIA no Irã em 1953, quando os EUA finalmente se encontraram, cara a cara, com aquela famosa Eurásia cortada e recortada durante séculos pelas Rotas da Seda; e decidiram conquistar todas elas.

Só seis décadas adiante, pode-se afinal ver que não haverá Rota da Seda Norte-americana no século 21, mas, isso sim, exatamente como a predecessora, haverá Rota da Seda Chinesa. O impulso de Pequim rumo ao que chama “Um Cinturão, Uma Rota [Estrada]” está inserto no conflito do século 21 entre o império em declínio e a integração da Eurásia. Subtramas chaves incluem a perene expansão da OTAN e a obsessão do império com criar uma zona de guerra no Mar do Sul da China.

Pelo modo como a parceria estratégica Pequim-Moscou analisa isso, as elites oligárquicas que realmente comandam o Império do Caos estão dedicadas a cercar Eurásia – porque entendem que podem ser largamente excluídas de um processo de integração pelo comércio e avançados links de comunicação.

Pequim e Moscou claramente identificam provocação atrás de provocação, combinadas com demonização incansável. Mas não serão apanhadas. As duas capitais jogam jogo muito longo.
O presidente russo Vladimir Putin insiste diplomaticamente em tratar o ocidente como “parceiros”. Mas sabe muito bem, e na China os que sabem também sabem que não são, na verdade, “parceiros”. Não depois dos 78 dias de bombardeio mortífero da OTAN contra Belgrado em 1999. Não depois do deliberado bombardeamento da embaixada chinesa. Não depois do expansionismo non-stop da OTAN. Não depois de um segundo Kosovo, na forma de golpe (ilegal e ilegítimo) em Kiev. Não depois de o petrodólar do Golfo freguês dos EUA ter derrubado o preço do petróleo. Não depois da derrubada do rublo, urdida em Wall Street. Não depois das sanções de EUA e União Europeia. Não depois de agentes dos EUA em Wall Street terem esmagado os papéis chineses classe-A. Não depois das provocações e agitar de sabres ininterruptos no Mar do Sul da China. Não depois de derrubarem o Su-24.

À distância de um fio de cabelo
Rápida rebobinada dos eventos que levaram ao ataque contra o Su-24 é esclarecedora. Obama reuniu-se com Putin. Imediatamente depois, Putin reuniu-se com Khamenei. O sultão Erdogan, claro, ficou em pânico. Em Teerã anunciou-se, em cenas super explícitas, uma aliança russo-iraniana a sério. Apenas um dia antes do ataque que derrubou o Su-24.

Hollande da França encontrou-se com Obama. Mas, em seguida, Hollande encontrou-se com Putin. Erdogan vivia sob a firme ilusão de que criara o pretexto perfeito para uma guerra da OTAN, a ser lançada pelos termos do artigo 5º da Carta da OTAN. Não por acaso, a Ucrânia, estado falhado, foi o único país a aprovar – na mais frenética correria – o ataque ao Su-24 russo. Mas a OTAN piscou e recolheu-se horrorizada, pode-se dizer: o Império não estava pronto para guerra nuclear.

Não, pelo menos, por enquanto. Napoleão sabia que a história gira num fio muito fino. Com a Guerra Fria 2.0 sempre vigente, como está e continuará a estar, estamos sempre a um fio de cabelo de distância da guerra nuclear.

Aconteça o que acontecer com o chamado processo de paz sírio, a guerra à distância entre Washington e Moscou continuará. A EUA-think-tankelândia, enlouquecida pelo descomedimento, pela confiança excessiva, pelo orgulho exagerado, pela presunção, pela arrogância ou pela insolência (pelo húbris[2]), não sabe ver de outro modo o mundo.

Também para os neoconservadores e neoliberais excepcionalistas, o único fim possível para a guerra é a partição do território da Síria. O sistema de Erdogan passaria a mão no setor norte. Israel passaria a mão nos ricos campos de petróleo das Colinas do Golan. E agentes à distância da Casa de Saud passariam a mão no deserto ocidental.

A Rússia literalmente bombardeou todos esses elaboradíssimos planos reduzindo-os a cinzas, porque o passo seguinte, depois de retalharem a Síria, seria Ancara, Riad – e Washington, mais uma vez, a “liderar pela retaguarda” – obrando para implantar uma Autopista Jihadista, diretamente até o norte do Cáucaso e para a Ásia Central e Xinjiang (já há pelo menos 300 uigures alistados no ISIS/ISIL/Daesh.) Quando tudo o mais falha, nada como uma Autopista Jihadista cravada como punhal no corpo da integração da Eurásia.

No Front chinês, nem todas as mais ‘criativas’ provocações que o Império do Caos venha a inventar conseguirão desviar Pequim dos objetivos traçados para o Mar do Sul da China – a vastíssima bacia cheia até a tampa de petróleo e gás ainda não explorados, e via naval preferencial para entrar e sair da China. Pequim vai-se inevitavelmente configurando, ela mesma, para 2020, como formidável haiyang qiangguo – potência naval.

Washington pode fornecer $250 milhões em “ajuda” militar para Vietnã, Filipinas, Indonésia e Malásia para os próximos dois anos, mas é praticamente irrelevante. Sejam quais forem as ideias “criativas” do império, em todos os casos têm de levar em consideração, por exemplo, o DF[Dong Feng, “Vento Leste”]-21D “carro transporte edisparador” de mísseis balísticos, com alcance de 2.500 km e capazes de transportar ogivas nucleares.

No front econômico, Washington-Pequim continuam como território por excelência de guerra por procuração. Washington promove a Parceria Trans-Pacífico [ing. TPP], ou o pivoteamento comercial da OTAN para a Ásia? É sempre tarefa de Sísifo, porque as doze nações-membros têm de ratificar o acordo, e não é só nos EUA que há Congresso extremamente hostil.

Contra esse malabarismo de uma bola só dos EUA, Xi Jinping, por sua vez, serve-se de estratégia complexa, de três pinças: o contragolpe chinês à PTP, a Área de Livre Comércio do Pacífico Asiático (ALCPA, ing. Free Trade Area of the Asia-Pacific, FTAAP); o projeto imensamente ambicioso “Um Cinturão, uma Estrada”; e os meios para financiar um tsunami de projetos, o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, BAII (ing. AIIB, Asian Infrastructure Investment Bank) – contragolpe chinês ao Banco Mundial e ao Banco de Desenvolvimento da Ásia, BDA, ing. Asian Development Bank (ADB), controlado por EUA-Japão.

Para o Sudeste Asiático, por exemplo, os números já dizem tudo. Ano passado, a China era o principal membro da Associação das Nações do Sudeste Asiático, ANSEA (ing. ASEAN), com $367 bilhões. Esse valor crescerá exponencialmente com o projeto “Um Cinturão, uma Estrada” – que absorverá $200 bilhões em investimento chinês até 2018.

Coração das Trevas – revisitado

O prospecto para a Europa é nada menos que sombrio. O pesquisador franco-iraniano Farhad Khosrokhavar foi dos raros capazes de identificar o xis do problema. Um exército jihadista de reserva por toda a Europa continuará a alimentar-se de batalhões de jovens excluídos nas empobrecidas cidades do interior. Não há qualquer evidência de que neoliberais conservadores da UE venham em futuro próximo a promover políticas socioeconômicas capazes de criar novas políticas de inclusão, capazes de extrair dos guetos essas massas excluídas e miserabilizadas.

A via de escape continuará a ser uma versão viral de salafismo-jihadismo, incansavelmente vendida por espertalhões especialistas em “relações públicas” como se fosse alguma espécie de ‘resistência’, e única contraideologia[3] que o mercado oferece. Khosrokhavar definiu-a como uma “neo-Umma” – “efervescente comunidade de miseráveis que jamais existiu na história”, mas que agora está abertamente convocando qualquer jovem europeu, muçulmano ou não, afligido por qualquer tipo de crise de (qualquer) identidade.

Paralelamente, já a caminhos de 15 anos de uma infindável guerra dos neoconservadores contra estados independentes no Oriente Médio, o Pentágono super turbinará uma expansão sem limites de algumas de suas bases já existentes – de Djibouti, no Chifre da África, a Irbil no Curdistão Iraquiano – convertidas em “nodos de expansão” [ing. “hubs“].

Da África Sub-saariana ao Sudoeste da Ásia, esperem um boom de “nodos de expansão”, todos gozosamente cheios de Forças Especiais; a operação foi descrita como “essencial” pelo Yo el Supremo do Pentágono, Ash “Império das Lamentações” Carter:

“Porque ninguém pode prever o futuro, esses nodos regionais – de Moron, Espanha, a Jalalabad, Afeganistão – garantirão presença avançada para responder a vários tipos de crise, terroristas e outro tipos. Os nodos regionais permitirão resposta unilateral a crises, operações de contraterror ou ataques contra alvos de alto valor.”

Aí está tudo: o Excepcionalistão Unilateral em ação contra qualquer um que ouse desafiar os diktats imperiais.

Da Ucrânia à Síria, e por toda a região OMNA (Oriente Médio e Norte da África, ing.MENA, Middle East and North Africa), a guerra à distância entre Washington e Moscou, com apostas cada vez mais e mais altas, não diminuirá. E tampouco diminuirá o desespero imperial quanto à irreversível ascensão chinesa. Com o Novo Grande Jogo ganhando velocidade, e com a Rússia fornecendo às potências eurasianas Irã, China e Índia sistemas de mísseis de defesa muito superiores a tudo que o ocidente tem, podem todos começar a se acostumarem com a nova normalidade: Guerra Fria 2.0 entre Washington e Pequim-Moscou.

Deixo-os entregues a Joseph Conrad, que escreveu, em Coração das Trevas:

“Há uma mácula de morte nas mentiras, um gosto de mortalidade (…). Arrancar tesouros das vísceras da terra era só o que queriam, sem mais propósito moral por trás daquilo, do que se encontra em arrombadores de cofres (…). Nós não podíamos entender, por que estávamos longe demais e não podíamos lembrar, por que viajávamos na noite das primeiras eras, daquelas eras que já se foram sem deixar qualquer sinal – e nenhuma lembrança.”

Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como:  Sputinik, Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today e Al-Jazeera.

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