Medos exagerados de dívidas bloqueiam recuperação da economia
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Medos exagerados de dívidas bloqueiam recuperação da economia


Anis Chowdhury e Jomo Kwame Sundaram,[1] Kuala Lumpur, Inter Press Service

Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu

Da série:
"Se toca, ô Meirelles! Tirando a Miriam Leitão, o resto do mundo já sabe
!"


Ver também

Ø  "Meirelles, o amigo da onça: Neoliberalismo e a lorota da 'meta de inflação'"
14/5/2016, Gerald Epstein, Triple Crisis, entrevista a Alejandro Reuss, trad. no Blog do Alok
http://blogdoalok.blogspot.com.br/2016/05/meirelles-o-amigo-da-onca.html 


Ansiedade por causa de dívidas não é novidade, muitas vezes inflada pela disputa política. Mas tampouco é novidade uma profunda recessão causada por redução prematura do déficit. 

Por exemplo, para buscar a reeleição, o presidente Roosevelt recuou do seu New Deal em 1937, prometendo que "está a caminho, afinal, um orçamento equilibrado". Em 1938, ele capou o gasto do estado, e o desemprego saltou para 19%.

Déficits e dívida


Muitos países tinham enormes dívidas públicas ao final da 2ª Guerra Mundial. Apesar das ansiedades e conclamações a favor de cortes drásticos nos gastos, os governos continuaram a gastar. Tivesse sido de outro modo, a Europa não se teria recuperado tão rapidamente. Com os governos insistindo em gastos massivos para reconstruir seus países, as economias cresceram, e o peso da dívida caiu rapidamente, com o crescimento da economia. Claro: a dívida é sustentável, se o gasto governamental estimula, ao mesmo tempo, o crescimento e a produtividade.

Quando o debate sobre déficits e dívida pública estava no auge, durante a Grande Depressão, Evsey Domar, pioneiro da teoria do crescimento, observou:

"Os que se opõem a financiar o déficit esquecem frequentemente (...) completamente ou implicitamente, sem qualquer prova, que a renda não crescerá ao mesmo ritmo rápido que a dívida (...). Mas estranha será, em todos os casos, economia na qual sejam mantidos os gastos em investimento, e a renda nacional permaneça estacionária."

Depois que a catástrofe financeira de 2008-2009 empurrou várias economias da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para um impasse, houve um rápido ressurgimento do ativismo fiscal. Muitos governos membros da OECD responderam inicialmente com amplos pacotes de estímulos fiscais, ao mesmo tempo em que resgataram influentes instituições financeiras. Os grandes países desenvolvidos também implantaram bem-construídos pacotes de estímulos fiscais, incluindo investimento público em infraestrutura e melhor cobertura social.

Então, houve aumento repentino na razão dívida/PIB em vários casos, devido principalmente aos grandes pacotes financeiros de resgate e algum ativismo fiscal. Mas aos primeiros sinais dos primeiros "brotos verdes" de recuperação em meados de 2009, os falcões fiscais imediatamente subiram o tom dos 'alertas' para retroceder, com 'avisos' duros contra déficits crescentes. Diziam que uma consolidação fiscal rápida [i.e., "não gastar mais do que arrecada", como vive a dizer vocês sabem quem (NTs)] faria aumentar a confiança, especialmente no setor de finanças, o que criaria impulso de expansão.

Então, os países afetados tomaram medidas rápidas para consolidação fiscal, com enormes cortes no gasto público, especialmente em áreas de saúde, educação, segurança social e infraestrutura. Mas a razão dívida/PIB daqueles países continua a aumentar, enquanto lutam para novamente dar a partida para o crescimento. Ao mesmo tempo, o FMI já admitiu que suas instruções iniciais a favor da consolidação fiscal basearam-se em cálculos ad-hoc errados.

Importantes achados de pesquisas recentes, inclusive de pesquisas feitas pelo FMI, indicam que política fiscal contracíclica discricionárias em períodos recessionários, aumenta e catalisa a demanda agregada, encoraja investimentos privados e estimula o crescimento da produtividade, em vez de aumentar taxas de juros e pôr em fuga o gasto privado.

Razão 'ótima' dívida/PIB?

Fixar-se em alguma específica razão dívida/PIB, considerada 'ótima' é procedimento que não tem qualquer base sólida. 

A razão dívida/PIB de 60%, que a Comissão Europeia e o FMI demarcam como limite máximo para sustentabilidade fiscal em 2030, é simplesmente a razão média pré-crise para países desenvolvidos, e a razão média dívida/PIB entre os países da União Europeia no momento do Tratado de Maastricht. Assim também, a regra dos 3% de déficit no orçamento é apenas o déficit de orçamento médio no momento daquele tratado.  Nenhuma dessas ostensivas 'demarcações' implica qualquer tipo de otimalidade, por nenhum critério econômico que faça algum sentido.

A dívida pública no Japão subiu muito acima de 200% do PIB durante duas décadas de meia de deflação. Mas as taxas de juros permaneceram baixas por muitas décadas. Em 1988, a Bélgica tinha a mais alta dívida pública; e a da Itália subiu bem acima de 100% do PIB durante esse período. Nenhuma dessas economias enfrentaram inflação descontrolada nem taxas de juros muito altas – como os falcões da 'austeridade' [não é austeridade: é ARROCHO (NTs)] 'garantem' que acontecerá sempre que subam os déficits fiscais. E estudos de finança pública nos EUA não encontram nenhuma relação significante entre as razões dívida/PIB e inflação, ou taxas de juros no período 1946-2008.

Mas, sim, as taxas de juros reais podem ser adversamente impactadas, conforme a dívida seja denominada em moeda doméstica ou estrangeira. Em outras palavras, país soberano deve ter a opção de monetizar a dívida. O problema surge quando não existe essa opção, como no caso de países na eurozona. É o que se vê claramente se se comparam as experiências de Espanha e Reino Unido durante o recente rápido crescimento da dívida pública.

A razão dívida pública/PIB do Reino Unido era 17p.p. mais alta que no caso da Espanha (89/72%) em 2011. Mas o ganho dos papéis do governo espanhol aumentou fortemente em relação ao do Reino Unido desde o início de 2010, o que sugere que os mercados internacionais haviam estimado que o risco espanhol seria maior que o dos papéis do governo britânico.[2]

Como membro de uma união monetária, a Espanha não controla a própria moeda na qual a própria dívida é lançada; mas a dívida pública do Reino Unido está praticamente toda ela na própria moeda do país, como acontece nos casos de EUA e Japão. Assim se vê que grande parte do problema na eurozona pouco tem a ver com alta dívida pública ou altos déficits. Na verdade, essa questão tem raízes na moeda da união, que limita o espaço político dos estados membros em relação a emitir moeda e à política de câmbio. 

Assim sendo, o único modo pelo qual podem aumentar o que é pseudodefinido como 'competitividade' é ... cortar salários!

Antes e hoje

De 2014 até hoje, até o FMI já mudou de posição. Em seu relatório October 2014 World Economic Outlook, o Fundo avisou que "projetos financiados pela dívida podem ter resultados positivos importantes, sem aumentar a relação dívida/PIB, se necessidades de infraestrutura claramente identificadas são atendidas mediante investimento eficiente".

Há, é claro, uma diferença entre hoje e os anos 1930s. O setor financeiro e as agências de risco são hoje mais influentes e poderosas que antes. Governos democraticamente eleitos tornaram-se reféns de investidores no mercado de dinheiro, que movem o dinheiro de um lugar para outro, sempre à caça de ganhos rápidos.

Os governos não se devem deixar conduzir por agências de estimativa de riscos e seus diagnósticos superficiais em complexas questões econômicas.

Os erros das agências de estimativa de riscos antes da crise da economia global em 2008 já eram abissais, e o Congresso dos EUA chegou a debater seriamente a possibilidade de processá-las por fraude. É perda de tempo tentar seduzi-las ou ganhar a confiança daquelas empresas; e tentar adivinhar o que 'calcularão' é temerário. Mas, mesmo assim, aquelas empresas mantêm bancos centrais e ministérios de Finanças como reféns delas.

[1] Anis Chowdhury foi professor de Economia da University of Western Sydney. Ocupou vários altos cargos na ONU, em New York e em Bangkok. Jomo Kwame Sundaram foi secretário-geral assistente da ONU para Desenvolvimento Econômico.
[2] Tradução duvidosa. Orig., para conferir: "The UK public debt-GDP ratio was 17 percentage points higher than the Spanish Government debt (89 versus 72 per cent) in 2011. Yet, the yield on Spanish government bonds rose strongly relative to the UK’s from early 2010, suggesting that international bond markets costed Spanish risk much more than UK government bonds." Correções e comentários são bem-vidos [NTs].

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