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Pepe Escobar: EUA-Paquistão - um “casamento-drone”
Paquistaneses protestam com slogans anti-EUA, em manifestação em Karachi, dia 23/10/2013, contra os ataques de drones dos EUA, na região tribal do Paquistão
(Foto: Asif Hassan, AFP)
Obama sequer mencionou os “drones” [1], quando conversou com a imprensa, depois de reunir-se com o primeiro-ministro do Paquistão Nawaz Sharif. A culpa então será toda de Islamabad? Na verdade, não.
O primeiro-ministro do Paquistão Nawaz Sharif chegou para o encontro com o presidente Barack Obama na Casa Branca, com uma forte, destacada prioridade: por favor, senhor presidente, ponha fim na sua guerra de drones no meu país.
Portas fechadas para a reunião desta 4ª-feira (23/10/2013), Sharif bem pode ter dito e repetido que a lógica dos mísseis Hellfire não faz sentido algum, nem no quadro alucinado da Guerra Global ao Terror [orig. Global War on Terror (GWOT)] – a qual, na mania do governo Obama de inventar novas siglas para coisas velhas, foi rebatizada como Operações de Contingência no Exterior [orig. Overseas Contingency Operations (OCO)]. Bem pode ter dito que a dronagem, viabilizada agora nas operações OCO, é, de fato o maior obstáculo à paz no Paquistão.
A Casa Branca divulgou sua versão oficial da conversa entre Sharif e Obama. Nada que dê qualquer esperança ou eleve a alma. Conforme o previsto, a dronagem prosseguirá. Obama não pronunciou a palavra “drones”, quando falou aos jornalistas; só platitudes sobre “respeitar a soberania do Paquistão” e instruções para Sharif, o qual “deve verificar esses incidentes no interior do Paquistão e pôr fim à exportação de terrorismo.” Mas a reunião não foi completo fracasso para Islamabad.
Nawaz Sharif (E) e Barack Obama (D) em 23/10/2013
“Tiro duplo” (Orig. Double tap) e se-segure [2] Pouco antes do encontro Obama-Sharif, a Anistia Internacional divulgou relatório devastador, no qual questiona não só o idioma “legalês”, que é marca registrada do governo Obama para defender os ataques de drones contra as áreas tribais do Paquistão, mas, também, diz o óbvio: os responsáveis – desde os operadores dos joysticks no deserto de Nevada, até os moradores da Casa Branca, todos eles – podem vir a ser julgados por crime de guerra.
E esse nem é o relatório mais devastador já publicado. Basta compará-lo com o resultado, publicado em setembro de 2012, de uma investigação conjunta feita por especialistas da faculdade de Direito de Stanford e da New York University School of Law, “Living Under Drones” [A vida abaixo dos drones], que concluiu que só 2% das pessoas incineradas por mísseis Hellfire eram “terroristas”. Muitos eram vítimas do temido “tiro duplo” – o segundo ataque, que vem imediatamente depois do primeiro e invariavelmente mata legiões de civis passantes e presentes na cena do primeiro ataque, e socorristas.
Miram Shah, nas áreas tribais do Paquistão, a apenas 16 quilômetros da fronteira afegã, pode ser definida como a capital drone do planeta. Em Miram Shah, os mísseis Hellfire já incineraram, dentre outras construções, uma padaria, uma escola para meninas e um mercado de moedas estrangeiras. O exército do Paquistão já desabilitou a rede local de celulares, e os Talibã fecharam os internet-cafés: jovens demais, assistindo a pornografia. O governo Obama insiste em que o festim de Hellfires seria “cirúrgico” e “contido” – e que matou “dúzias” da al-Qaeda e dos Talibã. Para Sharif, Obama, no máximo, admitiu que “houve erros”.
Em princípio, Sharif conserva posição forte na Assembleia Nacional do Paquistão, representando, principalmente o poderoso Punjab, muito populoso (de onde, aliás, saem a maioria dos soldados do exército paquistanês). Convocou uma “conferência de todos os partidos” para tentar resolver o dilema do terrorismo no Paquistão. Implica, necessariamente, conversar com os Talibã.
O líder dos Talibã (ou Tehrik-i-Taliban Pakistan, que é o nome completo da organização ali), Hakimullah Mehsud, disse bem claramente o que pensa e de que ponto parte.
Essencialmente, os Talibã vêem Islamabad como um bando de infiéis e capachos dos EUA, todos a serem combatidos. Por isso estão em guerra. É como se Mehsud tivesse lido o relatório, segundo o qual Islamabad apoiou “secretamente” a ofensiva dos drones da CIA.
O pessoal da segurança do Paquistão examina um drone norte-americano de vigilância que caiu em território do Paquistão, a dois quilômetros da fronteira, na cidade de Chaman, na província do Baluquistão, onde os insurgentes são muito ativos, dia 25/8/2011.
(Foto Asghar Achakzai, AFP)O que os Talibã querem é a lei da Xaria, exatamente o que a maioria absoluta da população paquistanesa rejeita.
Para complicar ainda mais, ninguém sabe se os Talibã (que negaram), ou alguma facção extremista, está por trás de uma recente onda de ataques com suicidas-bomba e explosões de carros, que incluiu um ataque horrendo ao bazaar de Qissa Khwani – “Mercado do Contador de Histórias” – em Peshawar, a rainha das cidades dos pashtuns.
Permanece o fato de que o que está agora acontecendo é só um prelúdio da disputa pela primeira posição na largada da corrida que se iniciará depois da dita retirada dos EUA do Afeganistão, no final de 2014.
Depois da reunião com Sharif, a ênfase criptográfica de Obama, que se disse “confiante” de que haverá alguma solução “boa para o Afeganistão, mas que também ajude a proteger o Paquistão no longo prazo”, só fez confundir ainda mais uma questão já intratável.
A lógica simplista em Washington é que a “estabilidade” no Paquistão depois de 2014 “protegerá” o Afeganistão de tornar-se, outra vez, um paraíso jihadista.
Hamid KarzaiAo mesmo tempo, Washington e Islamabad sonham com alguma espécie de partilha de poder entre quem venha a suceder Hamid Karzai em Kabul, e os Talibã afegãos. E assim, como num passe de mágica, sumiria a jihad transfronteira Afeganistão-Paquistão.
O que esse róseo cenário esquece é que a questão chave não é a jihad. A questão chave é o que querem os pashtuns armados dos dois lados daquela fronteira artificial que os britânicos inventaram.
O Talibã Afegão quer voltar ao poder (e tem boa chance). O Talibã Paquistanês quer a lei da Xaria (o que não obterá) e não tem sequer alguma mínima chance de chegar ao poder. E quanto aos EUA “gerenciarem” o que aconteça simultaneamente no Afeganistão e no Paquistão... é a maior piada do século 21.
Vejam quem fala Sirvamos, pois, uma chávena de chá verde, como fazem em Peshawar, e vejamos quem diz o quê a quem. O governo Obama, acompanhando os mais ardentes desejos do Pentágono, reza para conseguir assinar um acordo de segurança com Karzai – o qual implicará manter “forças” dos EUA em solo. Não surpreende que o líder supremo dos Talibã, Mullah Omar, já tenha dito que, isso, é não-não.
O plano B é alguma espécie de subacordo a ser alcançado como parte da lua-de-mel em curso entre Washington e Teerã, pressupondo que perdure. Implicaria uma forte presença do Irã num Afeganistão-pós-OTAN. E, outra vez, espaço político zero para os Talibã.
Islamabad, de sua parte, quer conversar com os Talibã no Paquistão – mas eles não estão para conversas. Ao mesmo tempo, Islamabad vive aterrorizada pela possibilidade de que a Índia venha a ter ainda mais influência num Afeganistão-pós-OTAN.
Nessa linha, Islamabad não ficaria totalmente infeliz se os Talibã – seus ex-clientes nos anos 1990s – monopolizassem completamente o poder no Afeganistão-pós-OTAN. O problema chave continua a ser o Talibã Paquistanês. Se a conversa no Afeganistão é confusa, no Paquistão é inexistente. A única opção de vitória para Islamabad seria convencer Obama a pôr fim à guerra dos drones; e conseguir que o Exército Paquistanês, sozinho, acabe com os Talibã paquistaneses; ou dar a eles tudo que eles querem nos Waziristões. Não parece possível nem viável.
Um jovem paquistanês, do grupo islamista radical e proscrito Jamaat ud Dawa (JD) ergue uma bandeira de um drone dos EUA, em protesto em Lahore contra os ataques de drones nas áreas tribais do Paquistão, dia 5/7/2013
(Foto Arif Ali, AFP).E é aí, afinal, que se pode ver a real agenda de Washington. Aconteça o que acontecer, Islamabad sempre poderá ser diagnosticada como incapaz de ajudar a “estabilizar” o Afeganistão nem, sequer, o próprio Paquistão. Assim sendo, o que fará a mais benigna das superpotências? Será obrigada, altruisticamente, a continuar “envolvida” no Af-Pak – claro, para sempre.
Em resumo: o presidente Sharif vai a Washington falar sobre o fim dos drones, menos ajuda e mais comércio – porque há uma porta aberta, principalmente para os têxteis do Paquistão (mas dará em nada). E Obama só quer falar de terrorismo e de uma vaga “estabilidade” depois da retirada dos soldados dos EUA, do Afeganistão, em 2014.
Comparem isso e a visita de verão de Sharif a Pequim. A economia paquistanesa está em situação de desastre absoluto. Precisa desesperadamente resolver os racionamentos de energia elétrica e de combustível, antes de poder começar a sonhar com qualquer progresso econômico. Sharif então vai a Pequim e obtém que os chineses envolvam-se em todos os campos da economia do Paquistão, de energia a infraestrutura. E até brada que:
(...) o corredor econômico que parte de Kashgar [em Xinjiang] até Gwadar [no Oceano Índico] muda o jogo (...). É hora de nossos dois países avançarem em maior velocidade.
No que tenha a ver com a visita de Sharif aos EUA, a coisa andou em velocidade de estacionamento lotado.
Os norte-americanos já começaram a dar tiros nos drones. Ainda que os Talibã paquistaneses aproveitem a ideia e passem a usar suas Kalashnikovs para a mesma finalidade, nem assim os problemas de Sharif estarão mais perto da solução.
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