Pepe Escobar: Vai começar a corrida ao ouro persa
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Pepe Escobar: Vai começar a corrida ao ouro persa


A Torre Āzādi ou Torre da Liberdade é o símbolo de Teerã. A torre, construída em 1971 por ocasião das comemorações dos 2.500 anos do Império Persa.

22/7/2015, Pepe Escobar, RT
Tradução Vila Vudu

Vocês talvez tenham ouvido falar do N-11. É,  mais um mix-esperteza de Goldman Sachs, para benefício dessa sempre prezada gente, o “investidor global”. São os BRICS futuros, as novas potências emergentes.
O N-11 é constituído de Bangladesh, Egito, Indonésia, Irã, Coreia do Sul, México, Nigéria, Paquistão, Filipinas, Turquia e Vietnã. Alguns podem vir a tornar-se membros dos cada dia mais assertivos BRICS.

No instante em que desaparecer o regime de sanções, como se espera, no início de 2016, o Irã passará a ser o N-11 mais quente do mundo. É difícil superar seus muitos trunfos: um mercado consumidor de mais de 80 milhões, de população significativamente bem educada; um mix de capital humano ainda mais atraente que o da Turquia; e um front de energia absolutamente importante, combinação de tanto petróleo como a Arábia Saudita, tanto gás como a Rússia e talvez ainda mais minérios que a Austrália.
E, em breve, de volta (por cima) ao mercado global. É fator, pode-se dizer, para virar o jogo.

Incorporem-se à caravana

Apesar do sórdido pacote de sanções ONU/EUA/UE – que Teerã sempre disse que eram ilegais e injustas –, o Irã construiu a base industrial mais sólida no Sudoeste da Ásia. O país está, por exemplo, entre os Top 15 globais na produção de aço; e os Top 15 globais na fabricação de automóveis. É o maior exportador mundial de cimento, pistaches, açafrão e caviar.

O Irã está bem posicionado entre os líderes globais na nanotecnologia e em pesquisa de células-tronco. É potência científica comprovada no Sudoeste da Ásia; o 17º maior gerador de papers científicos no mundo – à frente da Turquia e de Israel. Para nem falar da Arábia Saudita, conhecida líder mundial no campo dos … degolamentos.

Com o fim das sanções, o Irã poderá promover sua já crescente infraestrutura industrial e científica. Buscará a mais seleta tecnologia ocidental. Por enquanto, as aberturas no campo da tecnologia lhe estão chegando de China, Rússia e Índia, nações BRICS.
A tinta da assinatura do acordo de Lausanne nem bem secara, quando uma caravana de empresas globais – de Europa até a Ásia – pôs o pé na estrada rumo à Pérsia, posicionando-se para a grande (re)abertura do bazaar iraniano.

De energia, lá estavam as gigantes europeias Royal Dutch Shell e Eni, e o embaixador francês nos EUA Gerard Araud foi obrigado a acalmar os falcões no think-tank Atlantic Council, com um fato óbvio: “Acontece que nós é que perdemos muito dinheiro, não os norte-americanos“, disse Araud, sobre empresas europeias obrigadas a ceder às sanções cerebradas pelos EUA. E acrescentou: “Portanto, parem com a pregação moralista.”
Enviados russos, por sua vez, já estão cruzando o Irã de lado a lado há meses, trocando dados políticos, econômicos e militares. As relações russo-iranianas, extremamente nuançadas, baseiam-se em pragmatismo.

A possibilidade concreta de o Irã pôr-se a vender quantidades gigantes de gás à União Europeia é, claro, tema muito sensível para Moscou – especialmente porque essa onda é impulsionada por Washington. Mas, para a Rússia, esse pode ser risco de relativamente curto prazo, até, no máximo 2020, porque no longo prazo o principal negócio da Gazprom será com a China – e com o resto da Ásia. São necessários cinco anos para construir e expandir a rede do ‘Oleogasodutostão’ da Sibéria até a China.

E sempre há à mão um “ganha-ganha” de estilo chinês: com o embargo de armas convencionais a evanescer progressivamente, Teerã comprará mais armas russas, não só o sistema S-400 de mísseis.

Boeing ou Airbus?

Pós-sanções, o Irã extrairá máxima vantagem de um de seus ativos mais valiosos: localização, localização, localização. O Irã é nada mais nada menos que o entroncamento comercial privilegiado onde se encontram Europa, Ásia Central, o Cáucaso e o Sudoeste da Ásia (que o ocidente chama de Oriente Médio). Está bem no centro da(s) Nova(s) Rota(s) da Seda comandadas pelos chineses, e é candidato ideal a unir-se à União Econômica Eurasiana (UEE) – aumentando o comércio com a Ásia Central (como Cazaquistão e Quirguistão).

Irã, Afeganistão e Tadjiquistão partilham até idioma comum – o persa e suas derivações dari e tadjique. Países que têm fronteira com o Irã – do Afeganistão e Armênia a Turquia e Turcomenistão – verão imediato aumento no comércio; afinal de contas, nem todas as sanções conseguiram interromper o comércio transfronteiras.

É inevitável também um boom no turismo iraniano – envolvendo levas e levas de consumidores da Europa à Ásia incluindo todos os pontos intermediários. A indústria de transporte de mercadorias por mar – já em boa forma – prosperará. E, claro, haverá forte demanda por muitos jatos para transporte de passageiros.

Uma das consequências mais perversas das sanções comandadas pelos EUA é que, durante décadas, as empresas aéreas iranianas tiveram de servir-se do mercado negro para obter peças de reposição para seus jatos. E até recentemente, só duas semanas antes de o acordo de Viena ser assinado, houve o caso da Mahan Air, segunda maior empresa de transporte aéreo do Irã, que teve de recorrer a uma empresa de fachada com base no Iraque, para comprar Airbuses.
O Irã precisa de nada menos que 400 jatos para passageiros ao longo da próxima década. O presidente da Iran Air, Farhad Parvaresh, está interessado não só nos dois Boeings, 777 e 787, mas, também, no Airbus A321. E não descarta o novo 747-8, que a Boeing encontrou dificuldades para vender.

Imaginem pois os aviões iranianos expandindo suas linhas para todas as capitais de Europa e Ásia. A concorrência será forte para Turkish Airlines, Emirates, Etihad e Qatar Airways, atraindo todos que moram e trabalham por toda parte, da Ásia Central ao Cáucaso.

É gás, gás, gás
Rapidamente o Irã recuperará o nível em que estava antes de 2012 nas exportações de petróleo: 2,5 milhões de barris/dia. Hoje está abaixo de 1,5 milhões de barris/dia – por causa da obcecada campanha de Washington para pressionar os consumidores de energia iraniana como Coreia do Sul, Japão e a União Europeia. A China, ainda crescendo 7% ao ano, permanecerá como cliente preferencial. E em 2018, quando outras grandes economias asiáticas como Índia e Indonésia já estiverem retomando o crescimento, as exportações iranianas realmente crescerão.

Pelas estimativas da Empresa Nacional Iraniana de Petróleo [National Iranian Oil Company (NIOC)], Teerã está pronta para pôr no mercado global, de 600 mil a 1 milhão de barris/dia de petróleo. Significa preços ainda mais baixos no futuro – o que beneficia países não produtores, com grandes populações, como Paquistão e Egito.

De um ponto de vista paquistanês, isso se traduzirá na conclusão de uma das novelas sem fim do ‘Oleogasodutostão': o gasoduto IP (Irã-Paquistão). O trecho paquistanês está sendo financiado pela China. De um ponto de vista egípcio, se traduzirá em custos mais baixos de transporte e mais tráfego pelo Canal de Suez.

Os Emirados Árabes Unidos são assunto mais complexo. Dubai lucrará muito, porque já é o centro bancário/comercial/de negócios do Irã, onde estão depositados dezenas de bilhões de dólares norte-americanos em fundos iranianos. Mas a ofensiva de energia do Irã estará essencialmente focada em reconquistar a fatia de mercado de seus concorrentes no Golfo Persa, dentre os quais os Emirados Árabes Unidos. Some-se a isso que as reservas da Arábia Saudita estão-se esgotando, lenta mais implacavelmente – e o reino está consumindo seu capital, para bombardear o Iêmen.
Onde quer que se olhe, a integração eurasiana – com o Irã como protagonista – prossegue, inabalada.

O presidente Hassan Rouhani do Irã encontrou-se com o primeiro-ministro da Índia Narendra Modi durante a reunião de cúpula BRICS/OCX em Ufá. Rouhani espera que a Índia invista $8 bilhões em projetos chaves de infraestrutura – centrados no desenvolvimento do porto estratégico de Chabahar no Golfo de Omã. A Índia já aluga dois cais naquele porto, usando-os como terminais de carga multiuso. O passo seguinte é ajudar a construir o segundo e o terceiro terminais, além da ferrovia que conectará o porto ao resto do Irã.

Chabahar será não só a entrada da Índia para a Ásia Central mas, também uma via marítima aberta para o Afeganistão, que não tem acesso ao mar. Ambos, Índia e Irã são muito ativos no Afeganistão – nos fronts comercial e de segurança.

O emaranhado sírio

Um dos ‘segredos’ mais mal guardados em Bruxelas sempre foi o ardente desejo da União Europeia de ter negócios de energia com o Irã. Segundo dados do Parlamento Europeu, o Irã poderá, em breve, exportar mais de 150 bilhões de metros cúbicos de gás por ano. Para comparar: atualmente, a Gazprom exporta totais 140 bilhões de metros cúbicos/ano para a União Europeia.
O Irã tem a segunda maior reserva de gás natural do planeta, depois da Rússia; estonteantes 15,8% do total global. E é iraniano também o maior campo de gás em águas oceânicas do planeta: Pars Sul/North Dome no Golfo Persa, parte do qual em águas do Qatar.

O ‘Oleogasodutostão’, portanto, é exigência absoluta. Por razões óbvias, não há dutos iranianos orientados na direção da União Europeia – por enquanto. O que existe é o gasoduto Tabriz-Ancara, do Irã à Turquia, que tem de ser expandido; será o “gasoduto persa”, 3 mil km, cruzando a Turquia de leste a oeste e, depois, um elo marítimo de conexão com a Itália, onde se dividirá em dois ramos, um para o norte, outro para o sul, alimentando Alemanha, Áustria, Suíça, França e Espanha.

Esse é o sonho dos sonhos não só em Bruxelas, mas especialmente em Washington; porque implica contornar a Rússia. Com o oleoduto persa completado, a União Europeia logo estará importando 30 bilhões de metros cúbicos/ano, que é o total que a Gazprom exportou em 2013 para Alemanha e Itália.

O que aconteça no Irã, daqui para a frente, afeta simultaneamente a Ucrânia e a Síria. A Gazprom já está planejando ultrapassar largamente a Ucrânia em embarques de gás para a União Europeia. Significa que a Ucrânia, como via de trânsito de energia, já é galinha morta para a União Europeia – além de já estar convertida em estado falhado de facto.

O caso da Síria é muito mais complexo. O gasoduto Irã-Iraque-Síria, de 10 bilhões de dólares, permanece ativo. Ele é, claro, uma das razões estratégicas chaves pelas quais Turquia e Qatar são tão obcecados com mudar o regime em Damasco e terem-se envolvido diretamente na destruição da Síria. Porque o gasoduto rival de Irã-Iraque-Síria seria o do Qatar, que cruza aquela miragem de país “amigo dos sunitas” e dominado pela Fraternidade Muçulmana chamada Síria.
Assim sendo, tudo dependerá de alta decisão estratégica a ser tomada pela União Europeia e suas gigantes de energia. Será que investirão no gasoduto Irã-Iraque-Síria, apoiando, portanto, o atual governo em Damasco? Se acontecer, será preciso combater – de verdade – a ameaça genuína que é o ISIS/ISIL/Daesh, cuja partição do “Siriaque” tem muito a ver com manter dois estados quebrados para sempre, para sempre incapazes de planejar e coordenar um projeto estratégico como esse cordão umbilical de aço.

Cabe à UE finalmente conceber sua sempre discutida mas jamais realizada política para a energia. Se for tomada decisão estratégica, o Irã é tudo de que a UE necessita. Nesse caso, teremos as grandes da energia na UE aplicando enormes investimentos para aumentar a capacidade de refino do Irã e acelerar a conclusão do Oleogasoduto Persa.

Já se observa ação bem considerável. As empresas iranianas acabam de assinar acordo de $2,3 bilhões para construir 1.300 quilômetros do gasoduto Iran Gas Trunkline-6 (IGAT-6), conectado ao campo de Pars Sul. É essencial para aumentar as exportações de gás iraniano através do Iraque.
O mantra inicial da Revolução Islâmica no Irã foi “nem Oriente nem Ocidente”. Baseado em minha observação de diplomatas iranianos que negociavam o acordo nuclear em Viena, é justo dizer que, depois do fim das sanções, o Irã abraçará aquele mantra até a essência. E o abraçará com um especial toque persa, de força defensiva – ou heroica – e sedutor tom de ofensiva.

 Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como:  Sputinik, Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today e Al-Jazeera.

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