EUA não temem uma “intervenção”: temem é o plano de paz da Rússia
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EUA não temem uma “intervenção”: temem é o plano de paz da Rússia



9/9/2015, Make bombs, not refugees,  Pepe Escobar, RT (e Rússia Insider)

Tradução Vila Vudu

Os russos estão chegando! Os russos estão chegando! Ora essa! Os russos estão sempre chegando. Os russos nunca pararam de estar chegando, desde aqueles enlouquecedores dias da Guerra Fria. Os russos estão “invadindo” a Ucrânia. Invadiram todos os dias. Já faz mais de um ano. E agora os russos estão “invadindo” a Síria.

É só um prelúdio. Logo-logo os russos estarão invadindo todo o Oriente Médio, toda a Europa Oriental, toda Europa Ocidental e também todo o Ártico. Até que um dia, sub-repticiamente, lá estarão os russos, de volta a Cuba, prontos a invadir a Florida e toda a mãe-pátria.

Dessa vez a história se repete como farsa recorrente. A melhor ilustração do modus operandi de propaganda que subjaz à atual histeria excepcionalista em torno da dita “incursão militar” dos russos na Síria foi escrita antes, em 2011, em Counterpunch, pelo falecido grande Alex Cockburn. Curtam:
“Suponha que a CIA vaze documento de segurança nacional que conclua que a lua é realmente feita de queijo, e que os chineses têm planos para enviar um casal de ratos biônicos gigantes para lá se reproduzirem em números suficientes para comer todo o queijo e, assim, sabotar os planos norte-americanos para instalar um radar de defesa antimísseis no lado escuro da lua.

As primeiras manchetes ‘jornalísticas’ proclamarão que “Muitas dúvidas cercam a ameaça dos ratos chineses. Há quem zombe.” O parágrafo de abertura nas páginas de reportagem no New York Times, no Washington Post e no Wall Street Journal citarão algumas das zombarias, mas imediatamente o ‘ouvir o outro lado’ se imporá, para obrigar a reproduzir, em tom reverencial, o que digam “fontes na inteligência”, professores de universidades, ‘especialistas’ de think tank e essa gente, todos ansiosíssimos para serem vistos repetindo o que o governo/os patrocinadores os mandem repetir: Muitos dizem que o cenário ratazana é ‘plausível’, não pode ser descartado sem exame acurado, etc.

Jornalismo vai, jornalismo vem, passados uns poucos dias de ‘opiniões’ abalizadas desse quilate, o complô dos ratos chineses estará firmemente implantado como ideia crível. O noticiário jornalístico, então, passará à discussão respeitosa, em tom reverencial, as opções com as quais os militares norte-americanos devem trabalhar para enfrentar e dizimar a ameaça da rataria chinesa: o vice-presidente diz ‘todas as opções estão sobre a mesa’, etc.”
Aí está. A China – assim como a Rússia – são graves ameaças, segundo a doutrina militar do Pentágono; tão péssimas, se não piores, quanto ISIS/ISIL/Daesh. Assim sendo, deve haver outra rataria-ameaça, essa comandada pela Rússia. O que nos leva ao complô “Os Russos estão Chegando” sírio, que mergulhou think tanks como Stratfor, braço da CIA, em profundas e complexíssimas especulações, tudo, é claro, baseado em fantástica ‘inteligência’ –de segunda mão, ideologicamente corrompida, imprestável e, além do mais, falsa.

O tal dilema da partilha do poder

Virtualmente, todos os aspectos chaves do nonsense de uma intervenção militar russa na Síria já foram desmontados detalhadamente pelo Saker em artigo para Russia Insider.

Moscou simplesmente não se envolverá num novo Afeganistão. Além do mais, 66% dos russos são contra qualquer intervenção militar no vizinho Donbass; oh sim, aquela “invasão” que a OTAN e a imprensa-empresa ocidental vivem de anunciar que acontecerá, ‘com certeza’, semana sim semana também.

O problema do que se pode descrever como o Partido OTAN-CCG Pró-guerra é que Moscou está realmente tentando coordenar um plano de paz – real, sem golpe de mudança de regime, que dê conta, simultaneamente de dois problemas chaves da tragédia síria: a partilha de poder em Damasco e o crescimento do ISIS/ISIL/Daesh.

Como o presidente Putin confirmou oficialmente, Bashar al-Assad já concordou com a realização de novas eleições, com partilha do poder com a oposição não jihadista-salafista. É assunto que já foi detalhadamente discutido com Washington, Ancara, Riad e Cairo. Até uma Riad paranoica – a qual, por falar dela, continua o bombardeio ilegal, agora já invasão por terra, no Iêmen – mostrou-se pelo menos aberta à discussão.

O primeiro passo seria formar uma coalizão real para realmente combater contra o falso “Califato” – que reuniria Rússia, Irã, o governo sírio em Damasco, Turquia e Arábia Saudita e Washington.

Aí está o busílis. O plano A do governo Obama ainda é ‘mudança de regime’. Qualquer plano B, que partilhe a liderança com russos e preserve Bashar al-Assad no governo sírio ainda é anátema. Afinal, nem o próprio Obama abandonou, algum dia, o mantra “Assad tem de sair”.

Observem a rodovia M5

A rodovia M5 é artéria absolutamente estratégica que conecta Damasco com o norte e o oeste da Síria. Longe vão os dias – do governo de Hafez Assad e, depois, de Bashar, até 2011 – quando todos podiam ir e vir pela rodovia M5, em perfeita segurança.

Há um mês, contudo, ISIS/ISIL/Daesh tomaram a cidade estratégica, de maioria cristã, de al-Qaryatain, nordeste de Damasco. Até aqui, o já super exigido Exército Árabe Sírio não conseguiu recuperar a cidade.

É evento muito preocupante, porque o falso ‘califato’ está agora a apenas 30km da rodovia M5. OK, a estrada já esteve ameaçada antes, várias vezes, com alguns atiradores amoitados em áreas despovoadas ao norte de Damasco. Mas se o ISIS/ISIL/Daesh conseguir cortar ao meio a estrada, passará a significar área de pesadelo para Damasco.

As chances, pode-se dizer, são mínimas, porque uma possível queda da M5 seria evitada, em primeiro lugar por linha de defesa fortíssima – do Hezbollah e forças especiais e estrategistas militares iranianos. Esses certamente dariam conta do recado – sem envolvimento de conselheiros/especialistas militares russos, que o Ministério de Relações Exteriores da Rússia confirmou que, sim, estão na Síria.

Estão, e teriam mesmo de estar, porque estão implementando contratos militares já existentes entre Moscou e Damasco, e têm de treinar os sírios na operação de equipamento recém comprado dos russos.

Significa que Damasco, mesmo em situação crítica, não precisa de coturnos russos em solo. Contam, isso sim, com o aconselhamento confiável de equipes de estrategistas especiais da Inteligência da Segurança Nacional da Federação Russa (GRU) e das forças especiais da inteligência para o exterior (SVR). O meme “Os russos estão chegando”, papagaiado pela fraquíssima inteligência ocidental/israelense pode de fato referir-se a essas equipes, acrescidas de alguns Marines russos deslocados para reforçar a segurança em Tartus e na base aérea próxima de Latakia.

E voltou a “Responsabilidade de Proteger [ing. R2P]”

Enquanto isso, os grupos ISIS/ISIL/Daesh continua a anexar territórios com precisão de relógio. Um dos fenômenos mais espantosos do paraíso geopolítico é que os drones do Pentágono/OTAN consigam acertar cirurgicamente alguns agentes do falso ‘califato’, ao mesmo tempo em que conseguem nada-cirurgicamente não ver o comboio de flamantes picapes Toyotas brancas em desfile-tumulto pelo ‘Siriaque’, encobertos por tempestades do deserto.

ISIS/ISIL/Daesh pode agora operar sobre território gigante. E cada território que as forças de Damasco perdem são agora ocupados não só por bandidos do ISIS/ISIL/Daesh, mas também da Frente Jabhat al-Nusra, codinome Al-Qaeda na Síria, ou Ahrar al-Sham. Todos esses são jihadistas salafistas linha-duríssima. A única coisa da qual não se vê nem rastro é de “rebeldes moderados” treinados e armados pelos EUA.

Isso implica, politicamente, zero possibilidade de que se alcance algum acordo de partilha de poder em Damasco. É vitória total contra o falso ‘califato’, em todo o Siriaque – ou morte. Os precedentes são sombrios. Quando o Exército Árabe Sírio estava vencendo os bandidos do ‘califato’, eles retrocederam para território do Iraque.

Isso também implica que a campanha de bombardeio comandada-pela-retaguarda pelos EUA não passa de videogame para enganar bobos – e a futilidade alcança proporções de Walhalla agora, com Grã-Bretanha e França entrando galhardamente no mesmo bombardeio.

O único modo realista de derrotar essa gangue de takfiris jihadistas salafistas, sem deixar dúvidas, coturnos em solo, é constituir uma aliança de forças sírias, do Hezbollah, do Irã e do Iraque, que coordene os ataques com precisão, guiada por inteligência de primeira mão, de boa qualidade, recolhida no teatro de operações.

Não acontecerá. Porque a Casa Branca, o Pentágono, a Casa de Saud e o sultão Erdogan – além de qualquer máscara retórica – simplesmente não querem. Para eles, é golpe e mudança de regime… ou entregam a estrada M5 ao falso ‘califato’.

Resumo da história: O golpe da intervenção na Síria ‘porque’ “Os russos estão chegando” é perfeito nonsense. Seria simplesmente sem sentido, do ponto de vista militar, além de politicamente insustentável em Moscou. Aconselhar e assessorar Damasco, sim – e vai continuar.

Enquanto isso, o número de “refugiados da mudança de regime”, como o analista Vijay Prashad os chamou, continuará a inchar. Vastas porções da opinião pública europeia – que acabam de ‘descobrir’ que está em curso uma guerra terrível, na Síria – já começam a exigir que “algo” seja feito. Por exemplo, aumentar o bombardeio contra a Síria (e para tanto franceses e britânicos estão-se “incorporando” à ação.)

Mas é possível que as cartas ocultem futuro ainda mais sinistro: uma Líbia remixed. Lembram-se da “responsabilidade de proteger” as vítimas previstas de um massacre de civis a ser executado por Gaddafi? Nesse mundo pós-orwelliano, uma nova guerra tipo R2P rasteja na direção de Damasco, para mascarar, mais uma vez, a sempre mesma obsessão com os golpes para mudança de regime.

Isso é que a Rússia está tentando evitar que aconteça. Para o Partido OTAN-CCG Pró-guerra, o mote “Faça Amor, não faça Guerra” jamais protegerá os refugiados dos golpes para mudança de regime. O código do Partido OTAN-CCG Pró-guerra é bem claro: “Faça Bombas, para que não haja refugiados”.

Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como:  Sputinik, Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today e Al-Jazeera.

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