Os relatos mais minuciosos sobre os ritos de sangue maia provêm do Período Pós-Clássico. Entre eles, a cena da extração do coração de um guerreiro para oferecê-lo aos deuses.
Os jovens guerreiros pertencentes às elites inimigas eram as presas mais cobiçadas. No caso de capturar um governante, ou um chefe principal, a vítima era reservada para ser decapitada durante uma cerimônia especial.
Por outro lado, quanto mais distante fosse o povo de um cativo, geográfica ou culturalmente, mais os maias o depreciavam para o sacrifício. Segundo Todorov, as vítimas preferidas deviam ser simultaneamente, estrangeiras e próximas.
Os métodos de sacrifício eram diversos. Durante o Período Clássico foi posto em prática o esquartejamento, realizado em ocasiões durante o jogo de bola.
O Templo dos Jaguares e dos Guerreiros em Chichén Itzá foram âmbitos privilegiados para a prática dos sacrifícios humanos.
Os cronistas espanhóis descrevem o equipamento dos sacerdotes: resina de copal para utilizar incenso, pintura negra e facas de sacrifício.
Segundo o pensamento maia, os ritos eram imprescindíveis para garantir o funcionamento do universo, os acontecimentos do tempo, a passagem das estações, o crescimento do milho, e a vida dos seres humanos. Os sacrifícios eram necessários para assegurar a existência dos deuses, repondo seu consumo periódico de bioenergia.
Ruína mexicana revela segredo de ritual dos maias
As ruínas maias de Chichén Itzá, eleitas em 2007 uma das Sete Maravilhas do Mundo do século 21, renderam recentemente uma série de descobertas sobre um dos rituais maias mais curiosos: o sacrifício humano.
A fonte desse novo conhecimento, porém, não são trabalhos de escavação no local --hoje mais voltado aos turistas que visitam a vizinha Cancún. O conhecimento novo está vindo de coleções antigas de museus nos EUA e no México.
O local onde as vítimas de sacrifício eram despejadas --o Cenote Sagrado, um enorme poço natural --está fechado para pesquisa há 40 anos, e os arqueólogos esperam agora permissão do governo mexicano para explorá-lo de novo.
Uma análise recente dos ossos de mais de 150 indivíduos retirados do cenote antes de seu fechamento, porém, já serviu para derrubar um mito: o de que o sacrifício maia era um ritual sobretudo para oferecer jovens virgens aos deuses.
'"Não era assim", disse à Folha o antropólogo Andrea Cucina, da Universidade Autônoma de Yucatán, de Mérida (México), especialista em ossos. "Na verdade, o que vimos é que há muitas crianças e subadultos cujo sexo não é possível determinar. É muito difícil antes dos 14 ou 15 anos. E, entre os adultos lançados no cenote, dois terços dos que se pode sexar eram homens. Isso muda um pouco a idéia de que eram pobres virgens lançadas lá."
Segundo Cucina, não há tampouco evidências de que todos os corpos jogados no cenote tivessem sido sacrificados ("havia também funerais") nem de que os sacrifícios fossem corriqueiros em Chichén Itzá. Mas isso não quer dizer que o ritual não fosse um bocado macabro.
Coração na mão
"Agora estamos tentando entender como era a prática da extração do coração", conta o antropólogo. "Sabemos de outros contextos fora de Chichén que a via de acesso mais simples e rápida era abrir o abdome bem abaixo da caixa torácica, e a faca não entrava em contato com nenhum osso. Abrindo o diafragma e inserindo a mão, alguém com experiência conseguia agarrar o coração, puxá-lo para baixo e cortar ligamentos e vasos para soltá-lo, mas mantendo o coração pulsante nas mãos."
Os métodos de sacrifício deviam variar de acordo com o contexto do ritual e o perfil da vítima. Um dos desafios hoje é saber quem eram as vítimas.
"Os sacrifícios de crianças eram aqueles voltados a Chaac, deus da chuva", diz Cucina. Há evidências também de que algumas das vítimas vinham de equipes perdedoras do famoso jogo de bola ritual maia.
A descoberta mais recente foi feita pela equipe do americano Dean Arnold, do Wheaton College, de Illinois, e publicada no mês passado na revista "Antiquity". Estudando potes recolhidos há um século do Cenote Sagrado e depositados em museus dos EUA, ele descobriu a composição do "azul maia", tinta que era usada para pintar murais e esculturas e até corpos de vítimas dos sacrifícios.
"Sabemos que o cenote era a residência do deus Chaac, e sabemos que o azul é associado à chuva", diz Arnold. "Como esse era um pigmento muito incomum e resistente, químicos e cientistas de materiais tinham interesse em tentar descobrir como ele era feito." O azul maia, afinal, era uma mistura de folhas de índigo com paligorsquita (uma argila) e copal (uma resina de árvore).
Como nossos ancestrais
Diversas outras descobertas podem sair de Chichén Itzá, diz Cucina, sobretudo se o governo mexicano liberar o cenote para pesquisa, o que os arqueólogos esperam que ocorra neste ano. Por enquanto, esqueletos disponíveis para pesquisa são pilhas de ossos desconexos tirados do poço sem controle, como fez em 1904 o então cônsul americano Edward Thompson, dono da "Fazenda Chichén". Em 1962, um arqueólogo chegou a usar uma draga para tirar ossos de lá, destruindo o precioso contexto arqueológico.
Michael Coe, arqueólogo da Universidade Yale --provavelmente a maior autoridade viva em maias-- diz crer que incursões futuras confirmarão escritos como os de Diego de Landa, frade que viveu em Yucatán no século 16 e relatou sacrifícios. Alguns historiadores questionam a confiabilidade de relatos de padres no México colonial, já que a Coroa Espanhola tinha intenção de pintá-los como bárbaros assassinos para justificar o genocídio dos índios.
"Mas não acho que Landa estivesse tentando demonizar os maias; nós sabemos que eles sacrificavam pessoas em todos os lugares", diz Coe. "A idéia era ter nobres, como reis de estados inimigos, capturar essas pessoas, mantê-las presas por algum tempo e então sacrificá-las, normalmente por decapitação. Eles praticavam isso, sim, assim como os nossos ancestrais europeus."
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