Pepe Escobar: “Irã, Paquistão, Síria, Qatar – O Oleogasodutostão em construção”
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Pepe Escobar: “Irã, Paquistão, Síria, Qatar – O Oleogasodutostão em construção”


A construção está quase completada: um gasoduto de gás natural que liga Irã e Paquistão, projeto que faz antever mudança geopolítica gigantesca. As potências regionais unem-se nesse mercado chave de energia, de olhos na China e de costas para o ocidente.

Desde o início dos anos 2000s, analistas e diplomatas em toda a Ásia sonham com uma futura Grade Asiática de Segurança Energética.

Disso se trata – dentre outros desenvolvimentos – da conclusão do trecho final do gasoduto de 7,5 bilhões de dólares, 1.700 km de extensão, para transporte de gás natural entre Irã-Paquistão, o gasoduto IP, que começa no campo iraniano gigante de South Pars, no Golfo Pérsico, e deve estar plenamente operante no final de 2014.
Iranianos trabalham em uma seção do oleoduto ligando o Irã – Paquistão (IP) depois que o projeto foi lançado durante uma cerimônia na cidade fronteiriça iraniana de Chah Bahar em 11 de março de 2013.

Ninguém perde dinheiro apostando na reação de Washington: se Islamabad insistir nesse gasoduto IP, estará “violando as sanções da ONU contra o programa nuclear do Irã”. Mas nada disso tem qualquer coisa a ver com a ONU: só tem a ver com sanções inventadas pelo Congresso e pelo Departamento do Tesouro dos EUA.

Sanções? Que sanções? Islamabad precisa desesperadamente de energia. A China precisa desesperadamente de energia. E a Índia será furiosamente tentada a seguir a mesma via, sobretudo quando o gasoduto IP alcançar Lahore, a apenas100 km da fronteira da Índia. A Índia, já que se falou dela, está importando petróleo iraniano e não está sendo castigada por isso.

Todos a bordo do trem ganha-ganha

Quando o presidente Mahmoud Ahmadinejad e o presidente paquistanês Asif Zardari encontraram-se no porto iraniano de Chabahar, no início de março, já transcorrera muito tempo desde a primeira vez em que se falou de gasoduto Irã-Paquistão, em 1994 – então chamado Irã-Paquistão-Índia (IPI), também conhecido como “oleogasoduto da paz”. As pressões subsequentes, pelos dois governos Bush, foram tão violentas, que a Índia abandonou a ideia em 2009.
Ahmadinejad e Zaradari em início de mar/2013. Abertura da construção do Olegasoduto IP.

O gasoduto Irã-Paquistão é o que os chineses chamam de “negócio ganha-ganha”. O trecho iraniano já está concluído. Sabedora dos imensos problemas de fluxo de caixa que Islamabad enfrenta, Teerã está emprestando $500 milhões; e Islamabad entrará com $1 bilhão, para concluir o trecho paquistanês. Interessa anotar que Teerã só concordou com emprestar o dinheiro, depois que Islamabad comprometeu-se a não desistir (como fez a Índia), por mais que Washington a pressione.

O gasoduto Irã-Paquistão, como cordão umbilical chave (de aço), zomba da divisão artificial, estimulada pelos EUA, entre xiitas e sunitas. Teerã precisa desse alívio, e de maior influência no sul da Ásia. Ahmadinejad até riu: “com gás natural ninguém faz bomba atômica”.

Zardari, por sua vez, melhorou as próprias chances para as eleições paquistanesas, dia 11 de maio. Com o gasoduto Irã-Paquistão bombeando 750 milhões de metros cúbicos de gás natural para o coração da economia paquistanesa, terão fim os cortes de energia e as fábricas não fecharão. O Paquistão não tem petróleo. Pode ter alto potencial para energia solar ou eólica, mas não há, nem capitais de investimento, nem know-how para desenvolvê-lo.

Dar as costas a Washington é fórmula garantida de sucesso político-eleitoral no Paquistão, sobretudo depois da invasão territorial, em 2011, para assassinar Bin Laden; e, isso, sem falar dos ataques ininterruptos que Obama e a CIA mantêm, dia e noite, sem descanso, com os seus drones, contra as áreas tribais.

Mais importante que isso, Islamabad sabe que terá de manter íntima cooperação com Teerã, para assegurar o controle do Afeganistão, depois de 2014. Se o Paquistão não se aproximar de Teerã, a Índia lá chegará, e haverá uma aliança Índia-Irã na cabine de pilotagem.

Um tal Plano B sugerido por Washington não passou de algumas vagas promessas de construir barragens hidrelétricas, que se encaixaria num oleogasodutostão norte-americano, miragem que o deserto inspira aos norte-americanos, sempre só no papel, mas desde a era Bill Clinton.
Assentamento de tubos do Oleogasodutostão IP

O Ministério de Relações Exteriores em Islamabad argumentou que cabia aWashington, no mínimo, tentar manifestar alguma compreensão. Quanto à vivaz imprensa paquistanesa, está em campo. [1]

E o grande vencedor é… a China

O gasoduto Irã-Paquistão já é protagonista estrela da(s) Nova(s) Rota(s) da Seda – das que realmente contam, não as que só existem na imaginação de Hillary Clinton. E há também a estratégica, ultra sumarenta questão Gwadar.
Islamabad decidiu entregar à China não só o controle operacional do porto de Gwadar no Mar da Arábia, no ultra sensível sudoeste do Baloquistão; crucialmente importante, Islamabad e Pequim também assinaram acordo de $4 bilhões para construir uma refinaria de petróleo, que refinará 400 mil barris por dia e será a maior refinaria do Paquistão.
Porto de Gwadar, operado pela China. Localização estratégica perto de fronteira Irã-Paquistão

Gwadar, porto de águas profundas, foi construído pela China, mas até recentemente era administrado por Cingapura.

O plano de longo prazo dos chineses é uma maravilha. O próximo passo, depois da refinaria de petróleo, será implantar um oleoduto que ligue o porto de Gwadar a Xinjiang, paralelo à rodovia Karakoram, o que configurará Gwadar como nó chave de distribuição para todo o Oleogasodutostão, levando gás e petróleo do Golfo Pérsico até o oeste da China. Assim estará afinal superado o “dilema de Ormuz”, que Pequim ainda enfrenta.

Gwadar, porto estrategicamente localizado na confluência entre o sudoeste e o sul da Ásia, não distante da Ásia central, emergirá afinal como centro de distribuição de gás, petróleo e petroquímicos – com o Paquistão como corredor de energia crucial, unindo Irã e China. Isso tudo, é claro, desde que a CIA não ponha fogo no Baloquistão.
Vista geral do Porto da Gwadar

O inevitável resultado de curto prazo de tudo isso é que a obsessão norte-americana por sanções e mais sanções está prestes a ser despachada para o fundo do Mar da Arábia, não muito longe de onde descansa o cadáver de Osama bin Laden. E, com o gasoduto Irã-Paquistão, IP, convertido em IPC – com a adição da China – talvez a Índia também acorde, fareje o cheiro de gás e tente ressuscitar a ideia inicial de um gasoduto IPI, Irã-Paquistão-Índia.

O ângulo sírio do Oleogasodutostão

Esse claro, visível, grande sucesso dos iranianos no sul da Ásia contrasta com seus padecimentos no sudoeste da Ásia.

Os campos de gás de South Pars – o maior do mundo – são partilhados entre o Irã e o Qatar. Teerã e Doha desenvolveram relação extremamente complexa, em que se misturam cooperação e duríssima concorrência.

A razão crucial (nunca declarada) pela qual o Qatar trabalha tão obcecadamente pela “mudança de regime” na Síria, é matar ainda no berço o oleoduto de $10 bilhões que ligará Irã-Iraque-Síria, cuja construção foi acordada em julho de 2011. O mesmo se aplica à Turquia – porque esse oleoduto IIS passará longe de Ancara… que sempre se apresenta como encruzilhada chave na distribuição de energia entre ocidente e oriente.

É claro que o oleoduto Irã-Iraque-Síria é tão amaldiçoado em Washington quanto o outro, Irã-Paquistão. A diferença é que, no caso do oleoduto IIS, Washington pode contar com os aliados Qatar e Turquia para que sabotem toda a iniciativa.

Isso implica sabotar não só o Irã, mas também a estratégia dos “Quatro Mares” que o presidente sírio Bashar al-Assad anunciou em 2009, pela qual Damasco se converteria em um portal de acesso para o Oleogasodutostão, conectada ao Mar Cáspio, ao Mar Negro, ao Golfo Pérsico e ao Mediterrâneo Leste.

É estratégia que mostra uma Síria em íntima conexão com os fluxos de energia iraniana – não com a energia qatari. O oleoduto Irã-Iraque-Síria, ISS, é conhecido na região como o “oleoduto da amizade”. Como nunca deixaria de fazer, a imprensa-empresa ocidental refere-se a ele como oleoduto “islâmico” (e os oleodutos sauditas seriam o quê?! Católicos?!). O que torna tudo ainda mais ridículo é que o gás que viaja por esse oleoduto corre para a Síria e dali para o Líbano – e do Líbano escorre para mercados europeus próximos, todos carentes, famintos, famélicos, de energia.
Erimtan Can

Os jogos no Oleogasodutostão complicam-se ainda mais se se soma aí o ultra complexo caso de amor “energético” entre o Curdistão iraquiano e a Turquia, bem detalhados por Erimtan Can – e as recentes descobertas de gás no Mediterrâneo Leste, em águas territoriais de Israel, Palestina, Chipre, Egito, Líbano e Síria; vários deles, talvez todos esses atores, podem transformar-se, de importadores, em exportadores de energia.

Israel terá a clara opção de enviar seu gás por gasoduto para a Turquia e dali exportá-lo para a Europa. É o que explica o tal telefonema de “desculpas” (conversa fiada) entre Erdogan, primeiro-ministro da Turquia, e o israelense Netanyahu, que Obama agenciou.

As fronteiras terrestres e marítimas entre Israel e Líbano continuam pendentes de uma nebulosa “Linha Azul” da ONU, criada nos idos de 2000. Damasco – como Teerã – apóiam Beirute, mais uma vez contra o desejo de Washington. E Damasco também apóia a estratégia de Bagdá de diversificar os meios de distribuição, mais uma vez na tentativa de escapar do Estreito de Ormuz. Daí a importância do oleoduto Irã-Iraque-Síria.

Não surpreende que a Síria seja a linha vermelha demarcada por Teerã. Agora, todo o Oleogasodutostão está à espera: quer saber até que ponto o Qatar está disposto a acompanhar a ensandecida obsessão de Washington.

Naval Brasil



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