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Pepe Escobar: Meia-noite em Damasco
Imagine que você seja parte de um grupo islamista linha-dura, pesadamente armado, na Síria.
"Com muito cuidado, a intenção do Rahbar, o Supremo Líder, é semelhante à da hierarquia político-espiritual na cristandade medieval: usar o poder como uma muralha contra forças do mal que querem destruir o mundo. Mas há uma enorme diferença: a cristandade medieval era um universo orgânico, e o Irã contemporâneo é uma pequena ilha xiita cercada por todos os lados pelos cantos de sereia do 'ocidente'."
[Claudio Gallo, de Teerã, citado por Pepe Escobar, pelo Facebook,
falando do Irã. Vai aqui, porque a ilha de governo secular inclusivo que é a Síria, também está cercada por todos os lados pelos cantos de sereia do 'ocidente' (NTs).]
Você teve até o meio-dia de ontem (6ª-feira, 26/2) para fazer contato com militares dos EUA ou da Rússia e receber um prêmio: o direito de ser incluído numa "cessação de hostilidades", algo como um "cessar-fogo" que não se aplica ao ISIS/ISIL/Daech e Frente al-Nusra, codinome "al-Qaeda na Síria", nem a restos sortidos do extinto Exército Sírio Livre [que nunca foi nem exército nem sírio nem livre] e que, para todas as finalidades práticas, já foi subsumido na Frente al-Nusra. Completando a cena, como ruído de fundo, lá está o secretário de Estado dos EUA John Kerry blefando que haveria Plano B: a divisão da Síria a qualquer custo. O ministro Sergei Lavrov de Relações Exteriores da Rússia teve de agir e lembrar que o ambiente exige respeito.
Assim sendo, o quê, afinal, você faz? Você é um "rebelde moderado" com selo de aprovação por Washington. Você se rebatiza como Exército Sírio Livre. Será que conseguirá burlar a força-tarefa montada por EUA e Rússia – hot linee tudo – para monitorar o 'cessar-fogo'? Bom, pelo menos você pode tentar.
O 'cessar-fogo' obriga principalmente o Exército Árabe Sírio, "rebeldes moderados" não especificados e os curdos sírios. Todos esses devem entregar armas até a meia-noite da 6ª-feira.
Se você perder o prazo fatal, pode ter problemas graves. Porque, para os russos, será como você de autodeclarar aliado de salafistas-jihadistas: você será bombardeado até virar fumaça. E não há o que Tio Sam possa fazer para salvá-lo.
Esse desenvolvimento positivamente Dadaísta é o que está passando por mapa do caminho para a paz na Síria – por mais que todos apostem que Washington e Moscou fiscalizarão furiosamente cada detalhe e buraco dele. Mas o que se deve ler aí vai muito além da Síria.
Tudo aí tem a ver com a espetacular expulsão de Casa Branca, Pentágono e OTAN, do trono de juízes e carrascos executores excepcionalistas –, valendo-se de "Choque e Pavor", Responsabilidade de Proteger ou declarada e deslavada 'mudança de regime' – das grandes questões geopolíticas.
Assim postas as coisas, eis porque o acordo de cessar-fogo na Síria faz sentido.
Há quem tente argumentar que o ''cessar-fogo" talvez não beneficie Damasco e Moscou – considerando que os "4+1" (Rússia, Síria, Irã, Iraque plus Hezbollah) estavam avançando em pesada ofensiva. Claro que o 'cessar-fogo' beneficia Washington, se ainda se considerar a agenda oculta – rearmar as gangues de "rebeldes moderados". Afinal, o El Supremo do Pentágono, Ash "Império do Choramingas" Carter, o general de Marinha Joseph Dunford e o diretor da CIA John Brennan são russófobos terminais, que jamais admitirão qualquer derrota.
Os termos vagos de "cessação de hostilidades" não especifica explicitamente que Washington, Londres e outros membros da "coalizão" que os EUA lideram 'pela retaguarda' devam parar de bombardear território sírio. E nem uma palavra sobre suicidas-bomba e armas químicas usadas rotineiramente por praticamente todas as gangues, do ISIS/ISIL/Daech aos "rebeldes moderados", contra civis sírios.
Assim sendo, com certeza houve duro negócio de cavalos entre Washington e Moscou por trás do jogo de cena. E nada vazou, pelo menos até agora.
Papai roubou minha invasãozinha
Enquanto isso, a muito propagandeada invasão conjunta da Síria por Turquia e Arábia Saudita não acontecerá, porque a Voz do Dono vetou – como o ministro de Relações Exteriores da Turquia Mevlut Cavusoglu teve de explicar. Essencialmente, ele admitiu que a invasão precisava do consentimento de todos os membros da "coalizão" que os EUA lideram 'pela retaguarda', aquela que combateria contra o ISIS/ISIL/Daech. Infelizmente, todos gaguejam de medo de ser dizimados pela Força Aérea Russa. Assim sendo, também esses serão amigavelmente revertidos para a pantomima da "cessação de hostilidades".
Onde realmente conta – o teatro sírio de guerra –, a questão mais premente é se o Exército Árabe Sírio será afinal capaz de controlar Aleppo e arredores; manter o controle em Latakia, e dar jeito para configurar Idlib como um enclave do Exército da Conquista controlado pelos sauditas por controle remoto e isolado por praticamente todos os lados, dependente exclusivamente de Ancara, a qual, por sua vez, não se atreverá a enfrentar cara a cara a Força Aérea Russa.
A posição da Turquia, de trapaceira ativa, cria questões para o cessar-fogo na Síria
Não surpreende que o sultão Erdogan da Turquia tenha mais medo desse negócio de cessar-fogo, que de todas as pragas. Porque sai de mãos vazias; no máximo, obteve uma vaga promessa, semideclarada pela Equipe Obama, de que os curdos sírios não continuarão a avançar para esmagar, tanto faz, ou o ISIS/ISIL/Daech ao longo da fronteira, ou bolsões da al-Qaeda na Síria.
Em troca, Ankara deve desistir de seu projeto de invadir a Síria e do sonho de uma "zona segura" de 10 km para dentro do território sírio para manter afastados os curdos e facilitar o rearmamento de seus agentes islamistas. A Frente al-Nusra, favorita de Ankara, por falar nisso, permanece ativa no norte de Aleppo, e nas regiões turcomenas de Latakia e Azaz (na fronteira turco-síria).
O que a Equipe Obama parece ter afinal compreendido – e "parece" é aí o operador chave – é que nem ISIS/ISIL/Daech nem a Frente al-Nusra poderiam algum dia "unificar" a Síria; assumindo que 60% da população síria é sunita, o que conta é que acima de 50% dos sírios são seculares e apoiam o governo de Damasco contra toda essa chusma de salafista-jihadistas doidos apoiados por turcos e sauditas.
Será que tudo isso basta para assegurar o sucesso da pantomima da "cessação de hostilidade"? Dificilmente. Mantenham a calma e persistam (observando). O Plano B lá espreita, tipo material de A Volta dos Mortos Vivos.
Pepe Escobar, SputnikNews
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
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