Juiz da Lava Jato participou de audiência sobre combate à corrupção
Para ele, foro fere a ideia de que todos devem ser tratados como iguais.
O juiz federal Sérgio Moro, responsável pelos processos da Lava Jato na primeira instância, defendeu nesta quinta-feira (4), em audiência pública na Câmara dos Deputados, o fim do foro privilegiado, que garante a autoridades julgamento em tribunais superiores. Na visão do magistrado, esse princípio "fere a ideia básica da democracia de que todos devem ser tratados como iguais".
Moro foi ao Congresso Nacional para participar de uma audiência na comissão especial da Câmara criada para debater as 10 medidas de combate à corrupção apoiadas pelo Ministério Público. As propostas receberam mais de 2 milhões de assinaturas de apoio da população.
"O foro privilegiado fere a ideia básica da democracia de que todos devem ser tratados como iguais. Acho que não existe muita razão sobre foro privilegiado", defendeu Moro diante dos integrantes da comissão.
O magistrado ainda que, por conta do cargo que ocupa, também possui foro privilegiado, mas destacou que, "tranquilamente", abriria mão do benefício.
Moro destacou ainda que a sobrecarga de trabalho nos tribunais superiores acaba prejudicando a tramitação dos processos envolvendo autoridades com foro.
Na última terça (2), o ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), reclamou do excesso de processos distribuídos anualmente aos magistrados da mais alta corte do país. Na ocasião, Barroso disse que o STF precisa reduzir "de maneira radical" o número de ações que julga para se tornar um tribunal mais eficiente e analisar questões mais relevantes, que afetam a vida de maior número de pessoas.
"Temos hoje o Supremo que está assoberbado de processos complexos", enfatizou Moro nesta quinta-feira na Câmara.
Provas ilícitas
Sérgio Moro também se mostrou favorável à flexibilização da legislação em vigor para permitir situações em que provas obtidas de forma considerada ilícita possam ser usadas em processos judiciais.
O juiz do Paraná ponderou que "nem a polícia nem o Ministério Público podem violar a lei a pretexto de praticar a lei", porém, na visão dele, há casos em que as provas são coletadas de "boa-fé".
"O que fez o Ministério Público, baseado na jurisprudência norte-americana, foi estabelecer algumas exceções a mais do que as já previstas na nossa lei. Porque hoje as provas consideradass ilícitas são excluídas. Colocaram novas exceções, uma delas é a da boa-fé, que vem da jurisprudência americana, por exemplo, quando o policial não quis cometer um ilícito ao coletar aquela prova, mas se equivocou de boa-fé", disse o magistrado.
Moro se tornou alvo de críticas na condução da Lava Jato ao autorizar, em março, a divulgação de escuta feita pela Polícia Federal (PF) de uma conversa entre a presidente afastada Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. À época, as defesa de Lula e Dilma questionaram a divulgação do áudio porque envolvia autoridade com foro privilegiado e também foi feito depois que o próprio Moro havia determinado a suspensão das escutas nos telefones do ex-presidente da República.
Posteriormente, o ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no STF, anulou a validade da escuta que interceptou a conversa entre Dilma e Lula. Teori considerou irregular a divulgação das conversas.
Na semana passada, a defesa de Lula protocolou uma petição no comitê da ONU na qual denunciou uma suposta "falta de imparcialidade" e "abuso de poder" de Moro e dos procuradores da República que atuam na Operação Lava Jato.
Assédio na Câmara
Conhecido nacionalmente como o juiz da Lava Jato, Sérgio Moro chegou ao plenário da comissão acompanhado por deputados (assista ao vídeo acima).
Em meio à audiência, simpatizantes de Moro organizaram, do lado de fora da sala, uma manifestação de apoio ao juiz. O grupo exibia um exemplar de um livro que conta bastidores da Operação Lava Jato e tem a foto de Moro estampada na capa e também carregavam uma bandeira do Brasil.
Logo no início da sessão, o juiz federal disse que a Operação Lava Jato apontou um “quadro de corrupção extremamente grave” que não se limitou à Petrobras, mas também a Eletronuclear, estatal federal do setor energético.
Ele lembrou que quatro ex-diretores da Petrobras já foram condenados e disse que o que mais o chocou nesse caso foi a “naturalidade” com que o esquema de corrupção era visto por funcionários da estatal do petróleo, como se receber propina fosse “parte do jogo”.
“Se constata uma naturalização da corrupção no âmbito das nossas instituições e é algo que transcende a toda discussão partidária”, enfatizou.
Ao ressaltar aos deputados que, atualmente, o Judiciário tem tido uma postura mais ativa no combate à corrupção, Moro cobrou uma participação mais intensa do Legislativo e do Executivo.
“O que nós vimos até o momento é que o Judiciário, e não faço nenhuma pessoalização, pois há vários juízes, mas as respostas a esse problema estavam vindo quase exclusivamente do poder Judiciário, que estava mais como uma voz no deserto. Por isso que vi com muita felicidade a recepção do projeto das dez medidas e a formação dessa comissão especial.”
Caixa 2
Durante a sessão, Moro comentou ponto a ponto as propostas defendidas pelo Ministério Público para endurecer o combate à corrupção. O juiz informou que pretende entregar "em breve" aos integrantes da comissão sugestões por escrito para serem discutidas durante a tramitação do pacote de leis.
Um dos pontos defendidos pelo juiz paranaense foi a tipificação da prática de caixa 2, que é o recebimento de doações eleitorais não contabilizadas oficialmente. Para ele, a prática é uma "trapaça".
"Acho que caixa 2 é visto como ilícito menor, mas é trapaça numa eleição você receber recursos que não são contabilizados. A meu ver, não existe justificativa ética para essa conduta. Há uma carência para tipificar o caixa 2", reclamou.
O magistrado contou que, durante as investigações da Lava Jato, vários acusados admitiram que a prática é "disseminada" no sistema político brasileiro. "É necessario ter a criminalização dessa conduta", frisou.
Ele demonstrou estar de acordo com a maior parte das propostas contempladas no pacote de combate à corrupção de iniciativa popular, que tratam desde o agravamento de penas até a tramitação de ações penais.
No entanto, Moro discordou integralmente da proposta que propõe a inclusão de mais uma possibilidade de recurso no Código Penal."Sou contra. Se é para tornar a Justiça mais ágil, introduzir mais um recurso não me parece adequado", enfatizou.
Entre as sugestões feitas por Moro está a possibilidade de atenuar a pena nos casos menos graves de peculato (crime de desvio de dinheiro praticado por funcionário público).
Teste de integridade
Um dos pontos polêmicos do pacote anticorrupção defendido pelo Ministério Público é a aplicação de um teste de integridade para agentes públicos, cujos resultados poderão ser usados para fins disciplinares e para embasar ações cíveis e criminais.
Na audiência pública, Sérgio Moro disse ser favorável aos testes de integridade, desde que a lei estabeleça que só poderão ser aplicados se houver "fundada suspeita de que o indivíduo está envolvido em crimes relacionados ao exercício da função".
Questionado pelo deputado Aliel Machado (Rede-PR), Moro comentou uma declaração que ele deu há alguns meses de que avalia que a Operação Lava Jato terminaria até dezembro deste ano. O juiz esclareceu a declaração tratava mais de um "desejo" do que de um prognóstico.
Ele desafou que está "cansado" por se tratar de um "trabalho desgastante", mas que, apesar disso, o trabalho continuará "enquanto existir material".
"É mais um desejo [concluir a Lava Jato até dezembro]. Confesso que estou cansado. É um trabalho desgastante, mas não é uma previsão. Então, evidentemente, ninguém vai fechar os olhos para essas questões. O trabalho continua enquanto existir material", declarou.
Lobby
Indagado por deputados sobre a possibilidade de o Congresso aprovar uma lei legalizando o lobby, Moro disse ser, "em princípio", favorável a tirar essa atividade "das sombras". Ele destacou, entretanto, que, para regulamentar o lobby, as regras devem ficar claras, evitando brechas.
No caso da Lava Jato, destacou o juiz, os operadores que intermediavam as negociações entre as empreiteiras e agentes públicos, para fazer os pagamentos de propina, agiam como lobistas, mas para a prática de atos ilícitos.
"É melhor que essas atividades saiam do mundo das sombras, mas tem que se pensar como trazer essa atividade para a luz sem legitimar brechas. Em princípio, sou favorável a essa legalização, mas é importante verificar os termos e controles", advertiu.
Candidatura eleitoral e STF
Indagado sobre se tinha pretensão de disputar algum mandato eletivo no Executivo ou no Legislativo, Sérgio Moro respondeu que não há "nenhuma chance" de isso acontecer.
"Sem nenhuma chance. [...] Não pretendo sair da magistratura", assegurou.
Ele também foi indagado sobre eventual interesse em ser indicado para uma cadeira de ministro do Supremo, mas logo desconversou: "Não existe nem vaga no STF. São especulações que nem me favorecem".